O simpático personagem na realidade é um "robô-lixeiro", que tem por finalidade recolher, compactar e organizar incontáveis toneladas de lixo que nós, humanos, despejamos pelo nosso planeta nos últimos (e nos próximos) séculos. Graças ao nosso descaso consumista, a Terra ficou inabitável, os seres humanos se exilaram em uma espécie de transatlântico espacial de luxo, e o trabalho – literalmente – sujo, ficou com o pobre Wall·E.
Os primeiros minutos do filme são um primor. Praticamente sem diálogos, explora-se com competência cinematográfica a consciente, assumida e extrema solidão do protagonista. Dia após dia, acompanhado apenas de uma baratinha de estimação, Wall·E cumpre sua rotina de recolher o lixo, compactá-lo, depositá-lo em gigantescas pilhas, recarregar suas baterias solares, dormir, acordar. Dá até a impressão de que ele vai se encontrar com o personagem de Wii Smith, em A Lenda, a qualquer momento. Metódico e nostálgico, o robozinho guarda para si pequenos objetos que curte colecionar, como brinquedinhos ou patinhos de borracha. Seu lazer é rever repetidamente antigos filmes musicais no vídeo cassete. Não, ele não tem DVD. Até o dia em que um gigantesco foguete desce na Terra trazendo uma importante surpresa: a robô Eva, branca e luminosa, por quem Wall·E imediatamente se apaixona.
E chega de contar história (mesmo porque até aqui o trailer já mostrou). E quem viu o trailer sequer imagina o que virá a seguir. Aliás, este é o principal diferencial da Pixar em relação aos seus concorrentes: roteiros fantasticamente inteligentes. É inegável que a técnica dos desenhos da Pixar são de cair o queixo. Texturas, movimentos, cores, detalhes... nomeie o que quiser: eles dão um banho! Mas a técnica vazia, sem um bom roteiro por trás, acaba gerando filmes apenas bonitos e que se tornam sonolentos logo em seus primeiros 15 minutos. Taí o Peter Jackson que não me deixa mentir. Não é o caso de Wall·E. O filme surpreende sempre, cria reviravoltas, desenvolve bem seus personagens, diverte, emociona e ainda por cima tece algumas críticas sociais que dificilmente são vistas em produtos distribuídos pela sempre comportada e politicamente correta Disney.
Por exemplo: no futuro, todos os seres humanos serão gordos, de baixíssima percepção do que ocorre ao redor, e não se comunicarão diretamente uns com os outros, preferindo fazer isso por meio de uma tela virtual. A nave que os transporta é comandada por um piloto automático, robô, que manda mais que o próprio capitão. Mesmo que o filme seja ambientado lá pelo ano 3 mil, esta realidade não parece muito distante. Para os cinéfilos de carteirinha, uma atração a mais: um misto de referências que vão de Metrópolis a 1984, de Tempos Modernos a 2001 – Uma Odisséia no Espaço, passando até por THX-1138. Um prato cheio. Ah, e como se tudo isso não bastasse, antes do filme ainda passa um curta-metragem hilariante sobre um coelhinho de mágico que briga com o seu "patrão" e se recusa a sair da cartola. Imperdível.
(Celso Sabadin)
* O querido amigo Celso Sabadin vai me dar uma força nas críticas dos longas animados que estréiam nos cinemas. Ele é autor do livro autor do livro Vocês Ainda Não Ouviram Nada – A Barulhenta História do Cinema Mudo e jornalista especializado em crítica cinematográfica desde 1980. Atualmente, dirige o Planeta Tela (um espaço cultural que promove cursos, palestras e mostras de cinema) e é crítico de cinema da TV Gazeta e da rádio Bandeirantes. (ufa!)
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