Tal preocupação é recorrente de constatações realizadas por agências de pesquisas que apontaram como dados significativos, referentes à relação TV-infância, a presença da TV na maioria dos lares no mundo inteiro, o grande número de horas dispensadas pelas crianças diante de um televisor, além dos inúmeros questionamentos sobre a qualidade da programação da TV (em especial a aberta).
Informações como essas provocam a indignação das pessoas preocupadas com os valores e os estereótipos exibidos nos mais variados conteúdos televisivos, principalmente o publicitário. Cabe lembrar que uma das preocupações de alguns cientistas sociais diz respeito à forma como a publicidade se apresenta diante dos pequenos telespectadores. O caráter atrativo da publicidade e o sensacionalismo, que várias emissoras de TV usam para conquistar audiência, é algo muito discutido pela sociedade, pelos governos, instituições e ONGs [organizações não-governamentais]. Freqüentemente, os padrões de produção das propagandas são iguais ou até melhores que alguns programas e, como conseqüência, seu impacto na atenção e na audiência não poderia ser subestimado ou ignorado.
Constata-se, então, que, muitas vezes, a publicidade se utiliza de recursos, como os efeitos especiais pela computação gráfica, não somente como forma de valorizar o seu produto, mas também para influenciar as crenças e valores de uma sociedade, tornando-se uma persuasão implícita para o consumo de um produto. Dados significativos revelados por pesquisadores americanos e europeus mostram que desde os 6 meses de idade pode-se observar nas crianças as primeiras condutas de atenção à televisão.
As mudanças rápidas de imagem e som, sobretudo nos anúncios, e o próprio formato da televisão as motivam muito. No entanto, isso não significa que, na tenra infância, elas sejam capazes, por exemplo, de compreender uma narração televisiva, ou a intenção de um anúncio publicitário.
A possibilidade de qualquer criança, mesmo antes de falar ou de começar a ler e escrever, assistir à TV e prestar atenção nela durante um determinado período de tempo contribui para a convicção de que esse veículo de comunicação é extremamente simples e de fácil acesso, voltado para o lazer. Essa visão ingênua - questão discutida em vários fóruns mundiais e no Brasil, em 2003, por ocasião da 4ª Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes - negligencia a necessidade atual de educar as crianças e adolescentes para a mídia, como forma de ensiná-los a exercer sua cidadania.
Entre os frutos de discussões como essa se encontra o trabalho de alfabetização televisiva, objeto de estudo na minha tese de doutorado - que conta com a orientação da professora doutora Orly Zucatto Mantovani de Assis e feita pela Faculdade de Educação da Unicamp -, na qual eu defendo a compreensão da linguagem televisiva e a necessidade do uso pedagógico da TV em sala de aula, propiciando ao aluno a vivência de situações com a mídia que o tornem, entre outras coisas, mais crítico e menos vulnerável às questões publicitárias.
A publicidade na TV requer regras específicas. Muitas redes de televisão no mundo são patrocinadas por propagandas, porém essas sofrem controle mais rígido em alguns países do que em outros. Por exemplo: na Inglaterra e nos Estados Unidos, muitas restrições são feitas à televisão por meio de regras que controlam a proporção de propagandas em cada hora de transmissão e a freqüência com que podem ocorrer em um único programa.
O fato de o mercado brasileiro ter um grande contingente de crianças com maiores possibilidades de consumo fez com que as empresas, interessadas nas vendas e nos lucros que podem obter desse público, desenvolvessem estratégias específicas de marketing e publicidade que não priorizam as questões educativas ou éticas. Sabe-se que os Estados Unidos e muitos países europeus elaboraram diretrizes e procedimentos visando proteger as crianças de ações publicitárias inescrupulosas.
A Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos da criança, adotada em 1989, fornece, no artigo 17, um conjunto de leis que trata do direito da criança à informação e ao acesso às fontes, bem como da necessidade de encorajar o desenvolvimento de orientações apropriadas para proteger a criança de informações e materiais prejudiciais a seu bem-estar. No Brasil, além das diretrizes da ONU, procedimentos semelhantes são amparados por normas que defendem as crianças nas relações de consumo.
Entre elas, as encontradas no Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (Conar), elaborado em 1978, no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (CDC) e, mais recentemente, na própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que se mostrou preocupada em instituir novas regras para a divulgação de comerciais de alimentos considerados nutricionalmente inadequados, tanto na TV como no rádio, em horário específico (das 21 às 6h) - além da proibição da produção de qualquer material didático voltado para crianças que inclua ou faça alusão a alimentos e bebidas que integrem a categoria dos não saudáveis.
O cumprimento de normas como essas se traduz em um cuidado com nossas crianças, mas ainda é algo longe do ideal e do necessário, como é possível constatar ao se conhecer a forma como as crianças compreendem o comercial televisivo. Embora ultimamente as propagandas sejam destinadas a manipular o comportamento dos consumidores, o processo de influência depende do que o telespectador sabe sobre o objetivo da propaganda e quanto acredita no que a TV mostra, destacando a existência de duas grandes preocupações de pesquisadores relacionadas ao conhecimento das crianças a respeito das propagandas de TV. A primeira consiste no entendimento da própria criança da proposta da propaganda. A segunda, por sua vez, refere-se às importantes características do nível de compreensão dessas crianças acerca das aparições apresentadas nas propagandas.
Dessa forma, para que as crianças entendam a proposta das propagandas é preciso que elas façam uma série de descrições importantes: distinguir propagandas de programas; lembrar de um patrocinador como fonte da mensagem do comercial, perceber a idéia ou a intenção da mensagem, entender a natureza "simbólica" dos produtos, personagens e representação do contexto do comercial - destacando-se ainda a preocupação com a persuasão, visto que as crianças pequenas não têm consciência desse tipo de proposta, podendo ser facilmente influenciadas por elas.
Pesquisas americanas revelam que as crianças menores, que ainda não entendem a intenção persuasiva dos comerciais, tendem a percebê-los como mensagem verdadeira, ao passo que as mais velhas podem discernir tendências persuasivas e expressar atitudes céticas em relação aos comerciais.
Os resultados dessas várias observações indicaram que, abaixo dos 6 anos, a vasta maioria das crianças não pode realmente explicar a proposta de venda na TV. Entre as idades de 7 e 9 anos, grande parte das crianças é capaz de reconhecer e explicar as vendas, contudo, a partir de conhecimentos e exemplos concretos da realidade. Esses dados coincidem com os encontrados no Brasil por pesquisa feita por mim que investigou a compreensão do conteúdo de um comercial televisivo com crianças entre 4 e 11 anos na cidade de Americana, interior de São Paulo, evidenciando uma ampla idéia das representações que os sujeitos apresentam sobre o conteúdo de um comercial televisivo, a televisão e suas funções.
Por fim, pensar a publicidade na TV no horário infantil requer, indiscutivelmente, a participação efetiva do governo, estabelecendo regulamentações específicas para a veiculação de propagandas destinadas ao público infantil, além de uma mobilização da sociedade, exigindo dos órgãos competentes maior seriedade e agilidade nas aplicações de normas e regras, bem como uma reflexão sobre a educação para a mídia como prioridade de formação no século 21, apontando a necessidade de pensar em estratégias educativas que ajudem as crianças (e seus pais e responsáveis) a atentar para a formação de pequenos telespectadores, a fim de que se tornem consumidores mais inteligentes, principalmente dos conteúdos publicitários.
(Ester Cecília F. Baptistella)
* A amiga Ester Cecília F. Baptistell é psicóloga, doutoranda na Área de Desenvolvimento Humano e Educação pelo LPG/FE/Unicamp e professora da Universidade de São Francisco
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