Vale dizer que a Disney era não apenas a líder incontestável deste mercado, como também a própria criadora dos desenhos longos, com o pioneiro Branca de Neve, de 1937. Pois bem, para compor a sociedade da nova empresa, Spielberg simplesmente "roubou" da Disney ninguém menos que Jeffrey Katzenberg, seu principal executivo na área de longas de animação. É dele o "K" da sigla SKG que se vê logo abaixo da logomarca "Dreamworks". O "roubo" teria irritado muito a empresa de Mickey Mouse. E pior: com a transferência de Katzenberg da Disney para a Dreamworks, algumas "estranhas coincidências" faziam crescer os rumores em Hollywood que o executivo teria levado para Spielberg algumas idéias que estavam em processo de gestação na Disney.
Ou, trocando em miúdos, espionagem industrial. Afinal, são inegáveis as coincidências entre FormiguinhaZ (Dreamworks) e Vida de Inseto (Disney/Pixar), só para citar um exemplo. É neste instante que a Dreamworks contra-ataca criando Shrek, desenho animado feito para combater e ridicularizar os estereótipos desenvolvidos pelas Disney desde 1937. O primeiro longa da série, lançado em 2001, é uma hilariante sucessão de alfinetadas contra a concorrência.
Assim nasceu o ogro da Dreamworks: como o anti-heroi anti-Disney, o personagem que veio para detonar e corroer tudo o que já havíamos visto, até então, sobre contos de fadas e desenhos no estilo "princesas". Um sucesso absoluto.Suas duas continuações, porém, lançadas em 2004 e 2007, acabaram abandonando a rebeldia inicial do personagem, e enfraquecendo a qualidade da franquia. Agora, em 2010, chega às telas o quarto (e prometidamente o último) episódio: Shrek para Sempre. Com muito mais talento que o terceiro filme (o pior de todos), mas inevitavelmente sem contar com o frescor da novidade. Agora, Shrek está em crise: a rotina do casamento corroi o instinto selvagem do ogro, que num ataque de raiva e nostalgia sente falta da época em que ele era assustador. Saudades da liberdade da vida de solteiro.
Num momento de ira, Shrek encontra Rumpelstiltskin, sujeito com poderes mágicos que vive de fazer acordos inescrupulosos com pessoas incautas. Seduzido pelo vilão, o herói "troca" um dia de sua vida pela possibilidade de voltar a ser um ogro assustador, sem saber que, com isso, estará jogando todo o reino de Tão Tão Distante num universo paralelo triste e desolador. Dentro da tradição hollywoodiana de que nada se cria, nada se perde, tudo se refilma, Shrek para Sempre é marcadamente a junção de dois clássicos: Fausto, de Goethe, e A Felicidade Não se Compra, de Frank Capra.
Do primeiro vem conceito de vender a alma ao diabo. E do segundo a valorização do homem comum que - inebriado pela possibilidade jamais realizada de ter vivido uma vida diferente - não percebe a importância dos valores humanos mais simples e fundamentais. Contudo, clássicos a parte, a boa notícia é que este quarto episódio fecha a saga Shrek (pelo menos, dizem seus produtores) com mais conteúdo, mais ritmo, mais vivacidade e mais bom humor que seu triste antecessor Shrek Terceiro. É também, de longe, o capítulo mais romântico dos quatro.
Talvez as crianças menores sintam alguma dificuldade em compreender o conceito de "universo paralelo" dentro da história, ou mesmo apresentem alguma rejeição à ambientação mórbida e lúgubre que permeia boa parte da trama, mas o resultado final é compensador. Mesmo porque Burro - sempre o mais divertido dos personagens - volta à sua melhor forma, protagonizando os melhores momentos cômicos. Sim, Shrek perdeu seu viés contestador desde o segundo capítulo, e a saga termina com um claríssimo filme-família. É o preço a pagar por uma Dreamworks que enfrentou a Disney e se tornou - ela própria - um novo ícone de entretenimento familiar. Caso típico de conquistador que assimilou o perfil de seu conquistado. Quem será o próximo desafiante?
celso sabadin*
* O multimídia - e querido amigo - Celso Sabadin é autor do livro autor do livro Vocês Ainda Não Ouviram Nada – A Barulhenta História do Cinema Mudo e jornalista especializado em crítica cinematográfica desde 1980. Atualmente, dirige o Planeta Tela (um espaço cultural que promove cursos, palestras e mostras de cinema) e é crítico de cinema da TV Gazeta e da rádio Bandeirantes.
que saudade de você, querida....
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