Deixem Lobato em paz!

A Educação brasileira anda de mal a pior... Primeiro, os alunos ganham cartão branco nas escolas e dificilmente são reprovados. Sabe-se que a instituição que tiver índices baixos de reprovação recebem bônus. Aí, veio a vergonha do Enem. Centenas de estudantes que contavam com a avaliação para ingressar em uma faculdade correm o risco de terem seu sonho anulado por causa de um enorme descaso das autoridades educacionais.

Como não bastasse tanto fiasco, agora querem proibir uma obra de Monteiro Lobato, Caçadas de Pedrinho, nas escolas públicas sob a alegação de conteúdo racista e preconceituoso! Preconceitusos são eles, que não enxergam a importância desse grande escritor na vida e no crescimento de uma criança. Ler Monteiro Lobato (1882-1948) é adentrar em um mundo repleto de magia, que faz parte da nossa cultura, do imaginário popular, o grande e maravilhoso Sítio do Pica-Pau Amarelo.

A obra de Monteiro Lobato, publicada em 1933, virou ré por denúncia – é esta a palavra do processo legal – de um cidadão de Brasília, e a Câmara de Educação Básica do Conselho opinou por sua exclusão do Programa Nacional Biblioteca na Escola. Pedrinho, Emília, Tia Nastácia, Narinho, Dona Benta, Visconde e outros que habitam o universo mágico de Lobato não vão divertir as crianças, mas sentar no banco dos réus.

Uma das passagens "preconceituosas" apontadas pela CNE (Conselho Nacional de Educação) é a descrição da cena em que Tia Nastácia, personagem negra, "esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão”. Outra, quando a boneca Emília, ao advertir sobre a gravidade de uma guerra das onças contra os moradores do Sítio do Picapau Amarelo, diz: “Não vai escapar ninguém – nem Tia Nastácia, que tem carne preta” , a personagem Tia Nastácia é chamada de “negra” e, em alguns trechos, o autor compara o homem a animais como o urubu e o macaco. Seria mesmo racismo? Não. Definitivamente, não.

E isso não apenas uma opinião pessoal. De acordo com especialistas em literatura, "o livro de Lobato permite aos pequenos uma reflexão sobre a realidade brasileira, é ousado por usar recursos de humor e ironia, estimula a imaginação das crianças e apresenta uma denúncia contra a burocracia oficial pintando o governo como um paquiderme, comparado a um rinoceronte sem agilidade nem iniciativa para resolver problemas simples, como uma invasão de onças em um sítio. As crianças são os heróis da história: usam pernas de pau ensebadas para escapar dos bichos selvagens." Ou seja, diversão, diversão e muita diversão! Altamente recomendável, tanto que ganhou um Jabuti (uma espécie de oscar brasileiro que premia os melhores da literatura).

Eu cresci lendo Lobato e sei que suas criações têm muito a nos ensinar. Suas obras foram responsáveis por formar, ao longo dos anos, gerações e gerações de escritores no país, que tiveram sua vocação despertadas pelos universos encantados de Lobato. Esse maravilhoso mundo, como já disse e afirmo novamente, faz parte do patrimônio cultural de todos nós – crianças, adultos, alunos, professores – brasileiros de todos os credos e raças. E, como tal, merece respeito e precisa ser preservada.

Triste ver que aquele que druante sua vida escreveu para formar homens hoje esteja sendo atacado dessa forma insana. Certamente, não se reconheceria em um país que pretende formar seus futuros cidadãos vetando o acesso a livros, na mais vergonhosa forma de censura. Por favor, deixem Monteiro Lobato em paz para que nossas crianças possam continuar a viajar por esse fantástico mundo que ele criou.

Sobre o livro

Onças, veados, jaguatiricas, tatus, gaviões, besouros cascudos e até um rinoceronte fugido de um circo passeiam pelas páginas de Caçadas de Pedrinho. Nessa história, Pedrinho e uma expedição formada por Narizinho, Emília, Rabicó e Visconde de Sabugosa vão à caça de uma onça-pintada escondida na mata fechada do capoeirão de taquaraçus perto do Sítio do Picapau Amarelo. Com muita valentia e um pouco de medo, a turma arma a maior confusão entre os animais silvestres e se aventura em uma caçada arriscada, divertida e cheia de surpresas.