Não sei se a teoria é verdadeira, mas essa ideia me voltou à mente ao ver Tá Chovendo Hambúrguer. É impressionante como as histórias infantis, em geral, e os desenhos animados em longa-metragem, em particular, têm explorado o tema básico do Patinho Feio. Se pegarmos alguns exemplos aleatórios - digamos - Vida de Inseto, Ratatouille, Dumbo, FormiguinhaZ, O Galinho Chiken Little, Monstros S.A. e agora Tá Chovendo Hambúrguer, é possível ver como todos eles - e muitos mais que não me ocorrem no momento - partem da mesma premissa: o protagonista que parece totalmente desprovido de talento, é ridicularizado e segregado no meio social onde vive por ser “diferente”, marginaliza-se, para que depois uma força maior revele que ele tem, sim, um dom especial, uma particularidade que o transformará em heroi tanto dentro de seu convívio social como fora dele.
A fórmula é novamente utilizada em Tá Chovendo Hambúrguer. O que não chega a ser um demérito, já que o filme tem qualidades suficientes para agradar a adultos e crianças. O Patinho Feio dessa vez é o jovem Flint, garoto genial, metido a inventor, mas que nunca consegue acertar nas geringonças que constroi em seu laboratório. Entre elas, uma hilariante TV de controle remoto: você aperta o botão e o aparelho cria pernas e caminha em sua direção.
A situação de Flint se torna ainda pior pelo fato de ele morar em uma ilha minúscula onde toda a população só come peixe, nada além de peixe (ótima metáfora para a mesmice do consumismo estilo Mcdonald´s). E pior: seu pai quer que ele abandone as invenções e passe a ser seu companhero de trabalho…. vendendo peixes. Abatido, frustrado e com um enorme potencial represado, o jovem ainda tenta uma última invenção antes de se tornar um peixeiro: a máquina que transforma água em comida. Mas é óbvio que algo vai sair gigantescamente errado.
Mesmo partindo de uma premissa já exaustivamente explorada, o filme consegue se superar em outros quesitos cinematográficos que acabam lhe conferindo prerrogativas de uma deliciosa diversão em família. Os diretores Phill Lord e Chris Miller, ambos estreando no longa-metragem, injetam tamanha simpatia, personalidade e vivacidade aos personagens que a empatia com o público beira a perfeição. O ritmo também é dos mais ágeis, conquistando em cheio as plateias infantil e juvenil. E o humor - provavelmente a maior qualidade do desenho - é inteligente, afiado e constante, o que faz a alegria também dos espectadores adultos.
Isso sem contar as bem dosadas doses de romance. O traço, a qualidade da animação propriamente dita, é surpreendente, podendo inclusive ser comparada ao que existe de melhor no gênero. Leia-se Pixar. Os mais desavisados provavelmente não perceberão que a produção não é da Disney, nem da DreamWorks, nem da própria Pixar, mas da Sony, concorrente que corre por fora no segmento de desenho animado de longa-metragem.
Embora seja preciso reconhecer que os personagens de Tá Chovendo Hambúrguer parecem descendentes diretos da família de super herois que vimos em Os Incríveis. Da Pixar. Concorrências corporativas a parte, Tá Chovendo Hambúrguer é uma das melhores animações da safra recente. A lamentar somente a distribuidora não ter mantido a tradução do título original, Cloudy with a Chance of Meatballs, ou seja, Nublado, com Possibilidades de Almôndegas. É desagradável ver que as distribuidoras continuam sempre achando que o público não vai entender.
Exibição: dia 02, sexta, nos cinemas nacionais
Classificação: Livre
(celso sabadin*)
* o multimídia e querido amigo celso sabadin é autor do livro autor do livro vocês ainda não ouviram nada – a barulhenta história do cinema mudo e jornalista especializado em crítica cinematográfica desde 1980. Atualmente, dirige o planeta tela (um espaço cultural que promove cursos, palestras e mostras de cinema) e é crítico de cinema da TV gazeta e da rádio bandeirantes.
2 comentários:
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