quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Criança & TV : Janela para o mundo infantil

Esses dias estava "passeando" na internet e, de em site em site, deparei-me com esse texto escrito pelo jornalista Fábio Aranha, que discute as notícias televisivas na vida da criança. Achei bem interessante o modo como o autor aborda o tema e resolvi compartilhar com os frequentadores do Mundo Animado. Vale a espiada.

O tema foi objeto de trabalho desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Educação e Mídia (Grupem) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) com crianças entre 6 e 7 anos. Uma das constatações do grupo foi que, para esse público, as notícias da TV constituem um conceito ambíguo e difuso, que poderia incluir fatos e situações ocorridas a qualquer tempo. O trabalho também aponta uma dificuldade das crianças de situar esses acontecimentos nos seus devidos espaços e também uma tendência a confundir jornalismo, ficção e imaginação.

Embora desperte interesse, o sensacionalismo impresso nos telejornais também causa repulsa, resistência e, às vezes, até medo nas crianças. Muitas delas declararam ver telejornal porque à noite os adultos assumem o comando do controle remoto. Ou seja, sentem-se obrigadas a assistir aos noticiosos. Elas percebem a importância de se manterem informadas, mas, se tivessem opção, prefeririam outros programas. “Há também uma percepção de que os telejornais só veiculam notícias ruins e tristes. Elas [as crianças] são apresentadas a realidades que prefeririam evitar. Outro problema é que há um hiato entre o que é veiculado e os desejos e os interesses infantis. Parece que elas não conseguem estabelecer qualquer tipo de interlocução com o modelo de programa jornalístico brasileiro”, explica a diretora do Núcleo de Publicações e Impressos (NPI) da MULTIRIO, Maria Inês Delorme, cujo tema da tese de doutorado, em andamento na PUC-Rio, é o conceito de notícia sob a ótica infantil.

Na opinião do jornalista Marcus Tavares, editor do site do RIO MÍDIA, o público infantil tem acesso a uma infinidade de informações, contextos e realidades que nem sempre são de fácil compreensão, quando diante das reportagens. No entanto, o que é apresentado faz parte do mundo em que as crianças vivem. Por isso, negar esse acesso seria negar o conhecimento da própria realidade. Porém, ele afirma que é papel tanto dos pais quanto da escola trabalhar a notícia com a criança, sem minimizar ou superdimensionar os acontecimentos. Também é necessário dosar a exposição das crianças diante da TV e mostrar a elas que há outras coisas interessantes e animadoras na programação.

Para Tavares, os meios de comunicação causam forte impacto nas crianças, o que muitas vezes não chega a ser percebido ou questionado pelos adultos. “Antes de tudo, a TV dá unidade às relações que as crianças estabelecem entre si. Por meio dela, elas se entendem como um grupo coeso que compartilha padrões, escolhas, sentimentos e valores políticos, estéticos e éticos. De diferentes contextos socioculturais e econômicos, elas se parecem e se identificam umas com as outras. Falam a mesma língua, vestem-se igual, consomem os mesmos produtos, usam os mesmos acessórios. Tornam-se um grupo que entende o mundo da mesma forma, tem os mesmos sonhos e brinca com, pela e a partir da televisão”, explica.

O jornalista defendeu dissertação de mestrado, no Departamento de Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uni-Rio), que analisa o impacto da linguagem televisiva na constituição das identidades de crianças de duas escolas do município do Rio. Na pesquisa, ele aponta que a TV exerce um papel de extrema importância no universo infantil, na medida em que é através dela que as crianças se informam do que se passa no mundo, aprendem o que ela ensina e se divertem. Para Tavares, a primeira coisa que crianças associam à televisão é a informação. Não é para menos, afirma ele: “Sessenta e cinco por cento delas dizem que, quando chegam em casa depois da escola, trocam de roupa e vão direto assistir à TV. A metade fica, pelo menos, quatro horas diárias à frente da telinha. Setenta por cento das crianças reconhecem que aprendem com o que vêem na TV”, diz.

O editor do RIO MÍDIA acrescenta que, para as crianças, o que a TV mostra é real, tem credibilidade e conexão direta com o dia-a-dia. Os conteúdos produzidos e apresentados pela televisão são na maioria das vezes tomados pelas crianças como verdade absoluta, servindo de exemplo para as aulas, conversas e até mesmo para responder questões de prova. “Dessa forma, a TV educa e serve de exemplo. As informações emitidas pela TV constituem e constroem o mundo que elas vivem. Em outras palavras: a TV produz significado, realidade para as crianças. Uma realidade fragmentada, editada, com objetivos mercadológicos e ideológicos, que é entendida, vista e apreendida como o todo, o legítimo, o real, por meninos e meninas”, completa.

Para Maria Inês, não há como negar o impacto da recepção da TV na vida das crianças. Essa recepção, não necessariamente negativa, passaria a integrar o modo de cada um se ver e de ver o outro; de compreender, se situar, se relacionar e se entender no e em relação ao mundo social. Estabelecem-se possibilidades de relações e de trocas simbólicas entre os telespectadores mirins. Um dos lugares em que essa apropriação se dá é a escola. A cada dia fica mais evidente a necessidade de pesquisar sobre e com crianças, e também sobre as notícias da televisão.

“Ao tentar entender como as crianças compreendem o que é notícia, uma coisa que fica evidente é a percepção delas de que as notícias do telejornal são todas negativas, o que nem sempre é verdade. Outro aspecto visível é que se estabelece uma certa confusão entre o que é notícia, informação e o que são conhecimentos originários da televisão, mas que podem ser provenientes de outras fontes. Outro aspecto diz respeito à produção das notícias e as fontes. As crianças se questionam de onde vêm as notícias, quem escreve o que o repórter fala, como é possível ver as notícias documentadas por fotos e vídeos que se passam em espaços e tempos diferentes, às vezes simultâneos”, ressalta a diretora da MULTIRIO.

As crianças desse universo da pesquisa também demonstram certeza quanto à existência de pessoas que filtram os acontecimentos que se transformam em notícia, apesar de não saberem exatamente como se dá esse processo. Elas identificam ainda critérios de importância e de urgência usados para classificar as notícias. No entanto, o critério de seleção das notícias não parte do mesmo ponto de vista que têm as crianças. “As notícias que elas julgam importantes para suas vidas (como o que ocorre em suas comunidades) não têm destaque na TV. Elas se queixam da repetição excessiva de certas notícias em um mesmo canal. Outro fator que exige aprofundamento é o fato de tomarem como verdade absoluta, inquestionável, o que é apresentado nos telejornais, por conta do ritual com que a informação é tratada”, acrescenta Maria Inês.

Segundo Tavares, há um distanciamento entre a linguagem televisiva e a escola. Ele afirma que a escola vê a TV como suporte para os conteúdos disciplinares que devem ser ensinados aos alunos. “Oficialmente, a televisão entra na sala de aula apenas para reforçar o exemplo do professor, a questão apresentada no livro didático ou a história do país ou do mundo. TV, para as escolas pesquisadas, é entretenimento. O ato de ver televisão não é incentivado para adquirir ou debater, a partir dela, conhecimentos e valores”, comenta.

Mas, independentemente desse contexto, a TV chega às escolas por meio dos alunos. Embora o espaço e a influência da televisão não sejam ressignificados pelo professor, ela está lá. “Isso pode ser visto no vestuário, nos acessórios, pela imagem das crianças, a forma de falar, pelo que se deseja, se sonha e se fantasia, como elas pensam e agem. Também pode ser visto pelo fato de que elas têm a televisão como uma das fontes, senão a única, de entretenimento, lazer e cultura”, analisa Tavares.


(fábio aranha*)

* texto de fábio aranha, publicado originalmente no site multirio

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