sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Cinema: As Crônicas de Nárnia - A Viagem do Peregrino da Alvorada

Os fãs já sabem: quem cresce, não pode voltar a Nárnia, o reino mágico cujas portas somente são franqueadas aos garotos e garotas que mantêm acesa a chama da fantasia. Os irmãos maiores Pedro e Susana, presentes nos dois primeiros filmes, já “passaram a bola” para os caçulas Edmundo e Lúcia. São eles agora os responsáveis pelo terceiro episódio da cinessérie As Crônicas de Nárnia, batizado como A Viagem do Peregrino da Alvorada. Na verdade, um terceiro e importante elemento será incorporado a esta nova aventura: o primo pentelho Eustáquio (o ótimo Will Pouter), que junto com Edmundo e Lúcia é tragado para Nárnia por meio de um quadro na parede.

Os três caem no reino mágico bem ao lado do barco do Príncipe Cáspian, que não consegue entender o motivo de tão inesperada visita: afinal, reina a paz em Nárnia, e a presença dos reis Eduardo e Lúcia parece totalmente desnecessária. Parece. Logo nossos aventureiros navegadores vão perceber que a tão sonhada Paz não é tão fácil assim de se manter, já que eles terão de percorrer os traiçoeiros caminhos de cinco misteriosas ilhas para encontrar as espadas encantadas dos sete Lordes de Telmar. Não é mole, não. Este novo filme se baseia no terceiro livro de um total de sete da saga de C.S. Lewis, publicada pela primeira vez entre 1950 e 1956.

Originalmente publicado em 1952, A Viagem do Peregrino da Alvorada se passa três anos depois do livro anterior, Príncipe Cáspian. Desta vez o diretor não é mais Andrew Adamson, como nos dois primeiros episódios, mas o premiado inglês Michael Apted, o mesmo de 007 - O Mundo Não É o Bastante, Nas Montanhas dos Gorilas e O Destino Mudou sua Vida, para citar alguns exemplos. Adamson assina agora como produtor. Novamente aqui se percebem os elementos da cultura católica-cristã que permeiam a obra de Lewis.

São bem claras as questões da tentação, dos pecados capitais que assombram os protagonistas (como o Orgulho e a Ira de Edmundo, que quer ser Rei, e a Vaidade de Lúcia, que deseja ser tão bonita quanto a irmã) e, principalmente, da forte presença de Aslam como um deus todo poderoso, onipresente e onisciente, senhor de um reino do qual não se poderá retornar, uma vez visitado. Felizmente, nada no filme é colocado de forma catequética.

Como aventura, A Viagem do Peregrino da Alvorada cumpre o que promete. A direção de Apted imprime um bom ritmo de ação, sem escorregar na tentação fácil de transformar o filme num videogame, ao mesmo tempo em que elabora com níveis satisfatórios de tensão e mistério os ingredientes mágicos e místicos indispensáveis ao gênero. Tudo temperado com o delicioso senso de humor irônico e sarcástico típico dos britânicos. Para os olhos mais atentos, algumas cenas podem parecer excessivamente digitais, mas nada que uma boa dose de fantasia não releve.

A Viagem do Peregrino da Alvorada ainda resolve, com muita competência, o problema da “passagem de bastão” dos protagonistas. Explicando: como no próximo filme será Eustáquio o personagem a comandar a ação, e não mais Edmundo e Lúcia, o roteiro deste terceiro capítulo tinha a importante missão de apresentar aos fãs o nascimento deste novo “herói”, com carisma e credibilidade suficientes para que a saga pudesse continuar sem sobressaltos. E conseguiu. O arco dramático de Eustáquio é dos mais convincentes, e sua “transformação” (no caso, até literalmente) já o credencia a assumir a continuidade da franquia.

A lamentar apenas, e mais uma vez, o fato do sistema 3D ser usado aqui somente de forma mercadológica e publicitária: praticamente não existem cenas neste A Viagem do Peregrino da Alvorada que justifiquem o preço cobrado pelo ingresso 3D. Que, além de tudo, rouba luz e cores da bela fotografia do filme. Deveria existir algo no código de defesa do consumidor que proibisse esse tipo de manobra. Será que não existe? Uma curiosidade final: mesmo na era digital, a cenografia, digamos, “braçal”, ainda é insuperável. O belíssimo navio Peregrino da Alvorada, que dá título ao filme, foi efetivamente construído. Ele tem 43 metros de comprimento, pesa 125 toneladas, e é desmontável em mais de 50 partes, para que pudesse ser utilizado tanto em locações como em estúdio. Sim, ainda existem pregos e martelos em Hollywood.

celso sabadin*

* O multimídia - e querido amigo - Celso Sabadin é autor do livro autor do livro Vocês Ainda Não Ouviram Nada – A Barulhenta História do Cinema Mudo e jornalista especializado em crítica cinematográfica desde 1980. Atualmente, dirige o Planeta Tela (um espaço cultural que promove cursos, palestras e mostras de cinema) e é crítico de cinema da TV Gazeta e da rádio Bandeirantes.

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