quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Cinema: A Invenção de Hugo Cabret

É, no mínimo, curioso: os favoritos ao Oscar deste ano são um filme francês totalmente ambientado nos Estados Unidos, e um filme americano totalmente ambientado na França. Sobre o francês, O Artista, já falamos (veja em www.planetatela.com.br/cri.php?cri_id=536). Sobre A Invenção de Hugo Cabret, em cartaz nos cinemas, vale dizer: também é um grande filme.

O sempre inventivo Martin Scorsese faz aqui um trabalho que pode ser visto por toda a família. Não exatamente um filme “infanto-juvenil”, como tem sido dito, mas uma bela obra aberta para todos os públicos. Assumidamente em tom de fábula, o roteiro de John Logan (que também roteirizou Gladiador, O Aviador e Rango), feito a partir do livro de Brian Selznick (parente distante do lendário David O. Selznick), conta a história de Hugo (o ótimo Asa Butterfield, de O Menino do Pijama Listrado), um garoto solitário que vive dentro das gigantescas engrenagens do relógio da estação de trens de Paris, no início do século passado.

Tudo na vida de Hugo é triste e sombrio. Órfão, sozinho, vivendo de pequenos roubos, sempre perseguido pelo policial da estação (Sasha Baron Cohen, o Borat). Tudo ao seu redor é belo e iluminado: a romântica Paris, a visão da Torre Eiffel, as luzes da cidade. É sobre esta incoerência interior/exterior que se apoia filme.


O menino é um presidiário do tempo e do espaço, obrigado a se esconder como um ladrão, aprisionado pelas engrenagens de um relógio que exige corda no momento exato, e refém das saudades do pai morto. A felicidade mora ao lado, mas não é acessível a Hugo.

É neste contexto opressor que ele conhece Georges (Ben Kingsley), um homem igualmente sufocado pelas lembranças do seu passado, também aprisionado pela saudade e pelo ressentimento. E como exigem os roteiros clássicos, Hugo e Georges terão de confrontar os próprios fantasmas se quiserem aspirar a alguma felicidade na vida.

Como toda grande declaração de amor ao cinema, A Invenção de Hugo Cabret é um filme que fala mais de perto ao cinéfilo. Principalmente ao cinéfilo que pelo menos já tenha ouvido falar em George Méliès, a quem Scorsese presta aqui uma gigantesca e emocionante homenagem (é melhor não dizer mais nada). Já para quem desconhece Méliès, fica a dica: ver o filme e depois correr para o Google e para o YouTube para conhecer um pouco deste que foi um dos maiores gênios cinematográficos de todos os tempos.

Nestes tempos de revoluções tecnológicas e de 3D (muito bem usado por Scorsese, por sinal, que sabe aproveitar como poucos as vantagens da profundidade de campo), o lançamento de A Invenção de Hugo Cabret (assim como O Artista) promove uma interessante discussão sobre os mecanismos da criatividade e a importância da genialidade: enquanto o mundo do cinema caminha para o digital, cineastas consagrados como Scorsese e outros nem tanto como Michel Hazanavicius buscam suas inspirações na era do cinema mudo. Como a história é cíclica, evoluir faz bem e a gente gosta, mas sem jamais deixar para trás a genialidade dos velhos mestres.



celso sabadin

** O multimídia - e querido amigo - Celso Sabadin é autor do livro autor do livro Vocês Ainda Não Ouviram Nada – A Barulhenta História do Cinema Mudo e jornalista especializado em crítica cinematográfica desde 1980. Atualmente, dirige o Planeta Tela (um espaço cultural que promove cursos, palestras e mostras de cinema) e é crítico de cinema da TV Gazeta e da rádio Bandeirantes.

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