Esta semana, eis que mais um balde de água fria cai sobre minha cabeça. O Tribunal Regional de São Paulo proibiu nova distribuição de exemplares do livro Cem Melhores Contos Brasileiros do Século a alunos da rede pública de ensino. A alegação? A obra em questão traz elevado conteúdo sexual, com descrições de atos obscenos, erotismo e referências a incestos". Isso na cegueira de quem a leu dessa forma. Na minha visão, ela é um passeio pela mais deliciosa e contundente ficção curta produzida no Brasil entre 1900 e o fim dos anos 1990. Uma antologia capaz de traduzir as mudanças do país e as inquietações de várias gerações de brasileiros, em cem anos de produção literária. E nela estão grandes escritores como Machado de Assis, Rubem Fonseca, Clarice Lispector, Luís Fernando Veríssimo, João Ubaldo Ribeiro, Graciliano Ramos, Adélia Prado e Ignácio de Loyola Brandão - o alvo da vez. A "censura ao livro" aconteceu por causa do conto Obscenidades para uma Dona de Casa, sobre uma mulher casada que recebe cartas anônimas de um homem.
Não consigo entender esse tipo de censura em um mundo aberto aos mais diversos tipos de informação. Não consigo entender como um livro, que foi até tema de vestibular ganhasse acesso restrito às crianças e aos jovens. Sempre fui uma leitora voraz, desde que comecei a conhecer minhas primeiras letras. Entrar em uma biblioteca ou livraria me deixava atônita, encantada e cheia de curiosidade. Eram pilhas e pilhas de livros à minha disposição para ler, folhear e conhecer lugares espetaculares, deste e de outros mundos. Um turbilhão de emoções que eu estava prestes a passar. Para mim, não havia obstáculos.
Lia o que queria e quando queria... romances, poesia, biografias e até obras eróticas, sim... Nem por isso, sou uma pessoa melhor ou pior. Ao contrário. Acho que hoje sou uma pessoa melhor, mais "viajada" e com muito mais coisas na minha bagagem. E ainda tive incentivo nas minhas aventuras literárias. Toda vez que contava minhas experiências aos professores, eles me indicam outras e mais outras. E novos mundos e aventuras iam se abrindo diante dos meus olhos. Chorei, e aprendi, com aquele garotinho de cabelos dourados que abandonou sua amada flor em busca de novos horizontes em O Pequeno Príncipe (de Antoine de Saint Exupery) e conheci o povo sertanejo com Graciliano Ramos em Vidas Secas, por exemplo. Viajei por mundos fantásticos pelas mãos de Monteiro Lobato e segui um coelho branco com Lewis Carroll.
Fiquei indgnida com a menina que foi vítima do nazismo em O Diário de Anne Frank e, de uma certa forma, conheci a guerra com Os Meninos da Rua Paulo. Entrei em um mundo obscuro com Edgar Allan Poe e ri muito com aqueles livros ilustrados infantis e gargalhei com uma menina que adorava bater em seus amigos com coelho azul de pelúcia. Também visitei um lugar utópico, um Admirável Mundo Novo, que de admirável não tinha nada. Era um lugar onde tudo era proibido, controlado.
Seria esse admirável mundo novo que autoridades de hoje aspiram para nossas crianças, para nossos jovens? Como disse Roberto Denser em seu artigo, eu também tenho medo desse futuro. Por mim, por você, pelas nossas crianças e jovens, por meu filho e, principalmente, pelos vindouros filhos dele. Deixo aqui minha indignação e fecho com as palavras certeiras de Denser:
"Muito bem. Proíbam! Proíbam as capas de nossos livros e discos, mudem seus títulos, as letras de nossas músicas, nossas ideias, nossos ideais. Proíbam desde cedo, comecem pelas crianças, que pouco podem reclamar, e vão “reeducando-as” da forma como acharem conveniente. No futuro, elas agradecerão, tenho certeza, pois o Estado cumpriu seu papel na formação de seu caráter: Produziu mais uma geração de falsos-moralistas, hipócritas e demagogos. Nós, por outro lado, continuaremos lutando. Tenham certeza disso."
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