Há um claro objetivo de conquistar um novo público infantil que está crescendo e cujas referências de desenho animado são bem diferentes das gerações anteriores. Na história da primeira princesa negra, os castelos encantados e reinos distantes dão lugar à cidade Nova Orleans urbana e cheia de jazz.
Tiana é uma menina de família pobre, mas muito amorosa e unida. A menina e seu pai compartilham um sonho: abrir o próprio restaurante para todas as pessoas da cidade. Ao invés de esperar que as coisas aconteçam, ela vai atrás e economiza cada centavo de suas gorjetas como garçonete. Na verdade, Tiana é uma mulher workaholic, o que deve chamar a atenção de muitas mulheres que são mães, esposas, trabalham fora e tentam conciliar todos os aspectos da vida de uma mulher moderna. E não contentes, ainda querer atingir suas aspirações na carreira profissional.
Focada em seu objetivo, Tiana tem uma certeza: ela não tem tempo para essa história de príncipe, mesmo que lembre com carinho dos contos de fadas de sua infância, ao lado de Charlotte, sua amiga rica, que faz o contraponto à nossa heroína, não só vivendo num mundinho cor de rosas como só com uma coisa em mente: casar-se com um príncipe encantado.
O moderno da Disney não é lá muito moderno realmente. É quase uma prestação de contas com a mulher que viveu a revolução sexual, entrou no mercado de trabalho e tem filhos. Mas o filme busca claramente as mulheres como seu público-alvo. A estrutura do roteiro não tem nada de inovadora. É a clássica jornada do herói , que a própria Disney soube usar de forma primorosa em um outro de seus clássicos, O Rei Leão. Ou seja, a Disney já tinha revolucionado usando esta narrativa em 1995, só que não no gênero conto de fadas. Logo, o atraso é de 14 anos.
Se relacionarmos os personagens Simba e Tiana, guardadas as devidas diferenças e contextos, vivem situações semelhantes. Seus pais são seus grandes heróis e, quando jovens, tornam-se a voz de sua consciência. Sabem que devem aceitar o chamado à aventura para realizar seus sonhos e superar os desafios do caminho para, no final, além de conquistarem seu destino, serem transformados em plenitude em sua vida.
O príncipe encantado nesta história existe para brincar com o próprio conceito que foi criado ao longo dos anos, o dever de salvar a pobre e indefesa donzela. Em A Princesa e o Sapo, o príncipe Navee (dublado na versão brasileira por Rodrigo Lombardi) é um bon vivant: mulherengo; ele só quer saber de belas mulheres e tocar música. Seus pais cortaram a mesada e, como nunca trabalhou, precisa casar com uma mulher rica para manter seu estilo de vida. Ele é o oposto de Tiana. Ao embarcarem juntos na aventura, terão de conviver, mas, mais que isso, terão de salvar um ao outro. Mas quem toma à frente e sempre consegue salvá-los das enrascadas é Tiana.
Os elementos que fizeram do gênero e a animacão em 2D da Disney consagrados continuam lá. Os cenários grandiosos, a sutileza e a perfeição dos traços são um desbunde visual. Especialmente no que se refere ao vilão, o feiticeiro vodu. É o personagem que mais se destaca quanto à riqueza estética, de traços fortes, bem delineados, sombras marcadas e muitas cores. Cheio de contrastes, ele protagoniza cenas belíssimas. No que se refere a vilões da mesma escola é mais próximo da bruxa má de A Branca de Neve e os Sete Anões.
O que só foi possível porque a história se passa em Nova Orleans, cuja riqueza cultural e mistura de etnias engrandecem o filme por sua trilha sonora vibrante com jazz e batuques. E justifica também a primeira princesa negra. Sinceramente, dentro da história não faz menor diferença o fato de Tiana ser ou não negra. No mundo encantado de Walt Disney World, todo mundo é igual: a princesa negra e pobre, a amiga branca e rica, o príncipe estrangeiro e até o jacaré bonachão que quer tocar seu trompete numa banda de jazz com humanos.
O filme é envolvente por seu roteiro bem amarrado, com ritmo leve, ágil e extremamente bem realizado tecnicamente, mas o moderno da Disney ainda é careta. Na minha opinião, peca em dois pontos: o primeiro é não explorar as questões das diferenças entre culturas e classes sociais; o segundo, no que se refere às mulheres ou na tentativa de definir os sonhos dessas mulheres colocadas no filme como “modernas”. Seria ousado e afiado se fosse feito há uma geração; os sonhos e expectativas de Tiana são próximos da geração da minha mãe. Não que não tenhamos nada em comum , mas a minha geração (mulheres com seus 20 e poucos anos), e espero que às das mulheres mais novas, que verão A Princesa e o Sapo, poderão se divertir, mas os conflitos são outros. No quesito mulher moderna, Tiana está atrasada para o seu tempo.
(ana martinelli*)
* texto de ana martinelli, publicado originalmente no site cineclick, um endereço que traz informações, novidades e críticas do universo do cinema
Nenhum comentário:
Postar um comentário