Mas a Disney sabia que estava lidando com um personagem muito rico e que ainda havia muita coisa nele que as produções anteriores não tinham conseguido mostrar muito bem. E isso inclui a movimentação e as estripulias que Tarzan fazia em suas aventuras. “Nós mataríamos qualquer ator que tentasse fazer as coisas que o nosso Tarzan animado fazia”, afirma Glen Keane, supervisor de animação do protagonista. “É um personagem que só poderia ser realizado, da forma concebida por Burroughs, em animação.” Keane não estava brincando. Logo que o personagem começou a fazer mais sucesso, por volta de 1914, Hollywood quis levá-lo para as telonas, mas deu de cara com esse problema: realmente seria impossível mostrar um Tarzan que fizesse tudo o que era descrito no livro de Burroughs, sem matar alguém… ou sem levar um estúdio inteiro à falência!
A versão disneyana do rei das selvas de fato conseguiu apresentar ao público muitos detalhes poucos explorados no personagem - e este, entre outros motivos, faz com que Tarzan mereça uma atenção especial dos fãs de animação. Ontem, dia 18 de junho de 2009, fez 10 anos que a Disney lançou o animado. Ainda que muitas vezes não receba o seu devido valor, é um dos longa-metragens animados mais bem produzidos já lançados pelo estúdio, e fechou a década de noventa de maneira admirável. Vale a pena lembrar um pouco dos méritos desse excelente filme.
No início do século 20, faziam sucesso nos Estados Unidos as revistas pulp (quem já viu o filme Pulp Fiction sabe o que é isso). Essas revistas eram impressas em material barato e traziam histórias de todos o tipo: aventura, romance, faroeste, romance, ficção científica etc. E foi em uma dessas publicações (a All-Story) que, em 1912, um jovem escritor chamado Edgar Rice Burroughs lançou Tarzan of the Apes, história que fez grande sucesso entre o público da revista. Logo, o autor decidiu dar uma continuação a ela, e escreveu The Return of Tarzan, que também se saiu muito bem nas vendas.
Mas Burroughs sabia que seu personagem poderia lhe dar um retorno muito maior se saísse do universo das revistas pulp e fosse publicado como livro. E, quando isso aconteceu, em 1914, Tarzan realmente começou a ter uma fama cada vez maior. Não demorou muito para que quisessem lançar um filme do homem-macaco nos cinemas – e assim, em janeiro de 1918, estreou Tarzan of the Apes, um dos primeiros filmes da história a ter uma bilheteria de mais de um milhão de dólares.
A partir daí, Tarzan alçou voos cada vez mais altos, tornando-se protagonista de programas de rádio, televisão, histórias em quadrinhos, e mais de 40 filmes. Mas ninguém jamais havia feito um desenho animado com o personagem. Ao que parece, Edgar Rice Burroughs até pensou em um projeto desse tipo, pois em 1936 o escritor enviou uma carta ao seu filho Jack, na qual dizia que andava pensando em fazer uma versão animada do seu personagem, e enfatizava que a animação deveria “se aproximar da excelência da Disney”. O projeto acabou não vingando. Várias décadas depois, Tarzan finalmente chegou ao universo dos desenhos… e pelas mãos da própria Disney!
Em 1995, o estúdio do Mickey decidiu fazer sua própria versão para o clássico de Burroughs. Para entender melhor o universo de Tarzan e poder passar para o público tudo o que ele tinha para oferecer, a equipe da Disney viajou para a África. Os animadores contam que isso ajudou muito, em especial em duas coisas: a primeira foi compreender melhor os animais que viviam com Tarzan. Eles esperavam encontrar gorilas monstruosos, que atacassem qualquer um que cruzasse seu caminho, mas perceberam que estavam totalmente enganados. A segunda foi a possibilidade de representar melhor as paisagens africanas. Os artistas observaram, fotografaram e filmaram tudo o que podiam. Certamente isso ajudou muito nos belíssimos cenários e paisagens que vemos no decorrer de Tarzan.
A produção foi árdua. E em 18 de junho de 1999, o desenho foi lançado nos cinemas americanos. Alcançando 87% de aprovação no site Rotten Tomatoes, a versão disneyana do homem-macaco conquistou a grande maioria dos críticos: “Há algo lá no fundo da lenda de Tarzan que fala conosco e o animado da Disney capta isso”, escreveu o crítico de cinema Roger Ebert. Tarzan foi ainda o maior sucesso comercial da Disney desde O Rei Leão, arrecadando cerca de US$ 500 milhões ao redor do planeta.
Tarzan é considerado, por muitos fãs, o último grande clássico Disney. Não por ser feito em animação tradicional, afinal, depois dele o estúdio ainda lançou outros títulos em 2D como Atlantis: O Reino Perdido e Lilo & Stitch. Também não se trata exatamente da qualidade, pois a Disney ainda produziu mais alguns filmes que são indiscutivelmente bons – como A Nova Onda do Imperador. Mas Tarzan foi o filme que encerrou uma era. Foi o último suspiro de um tempo em que, todos anos, podíamos ver no cinema animações majestosas que, com suas canções e momentos inesquecíveis, levavam o público para longe da realidade.
Apesar de presentear o público com ótimas cenas de ação, Tarzan se concentra bem mais em algo não tinha muito espaço nas versões anteriores da história: os dilemas do protagonista e a sua relação com os gorilas. “Acho que, realisticamente falando, nunca tínhamos visto um retrato fiel da relação de Tarzan com sua família de macacos e com os animais”, diz Bonnie Arnold, produtora do filme. Claro que esse é um item um tanto obrigatório, tratando-se de uma produção da Disney: um estúdio que ganhou fama por contar grandes histórias que se baseavam em valores como amor e amizade não poderia deixar esse filme se resumir aos combates de Tarzan com todo tipo de criatura existente.
Tarzan é um filme que podemos chamar de maduro. E é, com certeza, bastante superior a boa parte dos filmes live-action que o cinema lançou ao longo do século 20. Não que esses filmes fossem ruins, longe disso; mas não dá para negar que a versão da Disney soube tratar a criação de Edgar Rice Burroughs de uma maneira diferente. Se você assistir a Tarzan - O Magnífico (1960), por exemplo, terá um entretenimento de ótima qualidade. Porém, o Tarzan interpretado por Gordon Scott é basicamente um protótipo de galã de novela mexicana que usa tanga e está sempre pronto pra ajudar a todos com suas atitudes heróicas. O Tarzan que vemos no filme da Disney não é assim.
A equipe do desenho se mostrou bastante hábil em relação ao respeito ao desenvolvimento dos personagens: por todo o tempo, são figuras críveis e divertidas, que envolvem o público na história. A começar pelo protagonista – apesar de sua infância ser mostrada apenas nos primeiros instantes do filme, Tarzan permanece sendo sempre uma grande criança. Isso faz com que o público infantil se identifique com ele; e os espectadores mais velhos podem se envolver mais na sua história. O homem-macaco ainda passa por uma série de conflitos emocionais. Acrescente-se a isso a determinação, a força, a esperteza e o heroísmo que ele exibe, e podemos ver que Tarzan é praticamente um Batman das selvas.
Os outros personagens do filme também foram muito bem construídos. Kala e Kerchak, que em outros filmes e histórias costumavam ficar em segundo plano, na versão da Disney têm personalidades fortes e marcantes, e são figuras fundamentais na narrativa. Jane, o par romântico de Tarzan, é uma personagem divertida e agradável, assim como seu pai, o Prof. Porter. A função de alívio cômico ficou por conta de Tantor e Terk, que cumprem bem o seu papel – mas convenhamos que eles não são lá grande coisa se comparados com outros coadjuvantes como o Mushu de Mulan e Timão e Pumba de O Rei Leão, que eram bem mais carismáticos.
E é claro que nesse “elenco” ainda temos o sensacional Clayton, um vilão que só não é mais sinistro por causa do seu afetado sotaque britânico. Mas o caçador interpretado por Brian Blessed (e que ganhou a voz de Dário de Castro na versão brasileira) se destaca por ser um perfeito contraponto ao protagonista: Tarzan é basicamente um “selvagem”, ainda cheio de inocência e curiosidade e, nos momentos de perigo, tem como arma apenas sua inteligência e agilidade. Clayton, por sua vez, é um homem mais “civilizado”. Tem um aspecto imponente e ameaçador, é capaz de fazer qualquer coisa para alcançar seus objetivos, e aparenta ser um homem experiente, como denunciam a sua maneira de se comportar e os seus “cabelos de super-herói” (repare que, assim como o Reed Richards do Quarteto Fantástico, Clayton tem cabelos que são brancos apenas da metade para baixo!).
Porém, o filme se preocupa em não mostrar Clayton como alguém que é mau simplesmente pelo prazer de ser assim; apesar de imoral, a motivação ambiciosa do personagem é palpável e, tempos trás, quando o politicamente correto ainda não tinha tomado conta do planeta, seria até bastante compreensível.
Já a trilha sonora é um capítulo à parte. Phil Collins soube traduzir com maestria as emoções do filme em ótimas canções que se tornaram verdadeiros clássicos. Entre elas, vale destacar a ótima Two Worlds, que define muito do que está presente em Tarzan; e é claro, You’ll Be in My Heart, cuja profundidade e beleza lhe renderam um Oscar e um Globo de Ouro, ambos na categoria Melhor Canção Original.
Assim como Aladdin, Hércules e vários outros filmes animados da Disney, Tarzan acabou se tornando uma série de TV. Disney: A Lenda de Tarzan, lançado no Disney Channel em 2001, teve 36 episódios e mostrava Tarzan, Jane, prof. Porter e todos os animais do filme vivendo diversas aventuras na selva africana. A série se destacava por apresentar diversos personagens e situações extraídas dos antigos livros e histórias de Edgar Rice Burroughs. Em 2002, foi lançado o DVD Tarzan & Jane, que usava uma trama singela como pretexto para uma compilação de alguns episódios da série de TV.
Mas Tarzan & Jane não era realmente uma continuação do filme de 1999. Para preencher essa “lacuna”, em 2005 a Disney lançou em DVD o filme Tarzan 2, que mostrava o homem-macaco ainda em sua infância, imerso em questionamentos sobre sua vida e identidade. Apesar de não ter nem metade da qualidade do filme original, Tarzan 2 não é de se jogar fora: o filme tem uma animação muito boa para os padrões dos filmes direct-to-video da Disney, trouxe de volta alguns atores da produção original e apresenta duas canções inéditas de Phil Collins, além de uma nova versão de Son of Man.
Mais recentemente, em 2006, Tarzan foi parar nos palcos da Broadway. Exibido em diversos países, o musical baseado no longa-metragem da Disney contou com as canções originais do filme e mais material inédito composto por Phil Collins, especialmente para o projeto.
Estes “derivados” que surgem de tempos em tempos mostram que o personagem tem uma característica que está presente nos melhores filmes da Disney: a capacidade de se manter divertido e cativante, não importa a época ou situação.
Estes “derivados” que surgem de tempos em tempos mostram que o personagem tem uma característica que está presente nos melhores filmes da Disney: a capacidade de se manter divertido e cativante, não importa a época ou situação.
O carisma dos seus personagens e a beleza de sua história dão a Tarzan um lugar garantido entre os filmes mais importantes do universo da animação. Mais do que isso: o filme apresentou uma das figuras mais importantes da história da indústria do entretenimento a toda uma nova geração. “Com o Tarzan da Disney, o lendário personagem de Burroughs entrou no século 21, tão popular e atraente quanto na época em que surgiu, em 1912”, afirma o site oficial Edgar Rice Burroughs. Tarzan é realmente um filme maravilhoso. E continuará sendo, por muitas e muitas décadas.
(A.J. Oliveira*)
* texto publicado originalmente do animatoons
2 comentários:
Realmente, é uma data especial. Talvez a última das grandes animações 2D da Disney! Vamos ver se A Princesa e o Sapo fazem jus ao legado de Tarzan, Branca de Neve, O Rei Leão...
Há braços
Paulo
Eu sou completamente viciada na animação Disney e tenho quase todos os filmes em DVD, incluindo este Tarzan, que acho uma delicia e também gosto da banda sonora - muito boa ;)
Bjs
Postar um comentário