sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Estreia: As Viagens de Gulliver

Publicado em 1726, o livro As Viagens de Gulliver, do irlandês Jonathan Swift, serve de inspiração para a mais recente investida de Jack Black (de Escola de Rock) no cinema. Transformado em superprodução com ares de blockbuster, As Viagens de Gulliver ganha as telas a partir de hoje, dia 14, renovado e recheado de referências à cultura pop.

Nesta releitura dirigida por Rob Letterman (o mesmo das animações O Espanta Tubarões e Monstros vs. Alienígenas), Lemuel Gulliver (Jack Black, também produtor executivo do filme) é um sujeito que trabalha há dez anos na mesma função: entregador de correspondência interna num grande jornal de Nova York. Tristemente consciente de que ele não deve se socializar com funcionários de cargos mais altos, ele nutre uma paixão platônica pela bela editora de turismo Darcy (Amanda Peet).

Porém, num único dia, tudo muda em sua vida, quando um jovem aprendiz cheio de atitude chega ao jornal para provar a Gulliver que esta sua timidez jamais lhe levará a lugar algum. Perturbado, Gulliver convence Darcy que ele pode ser um grande repórter de turismo, e acaba ganhando uma pauta: investigar o Triângulo das Bermudas. É a partir daí que a história efetivamente começa, com o heroi chegando ao fantástico reino de Lilliput, povoado por minúsculas criaturas que o tratarão a princípio como uma monstro, e logo depois como um ídolo.

Há pouco ou quase nenhum compromisso entre o filme e o texto original. Aqui, o roteiro de Joe Stillman (de Shrek) e Nicholas Stoller (de As Loucuras de Dick e Jane) utiliza o livro de Swift apenas como um remoto ponto de partida para recontar uma das histórias mais gratas e recorrentes da cinedramaturgia americana: a do perdedor que se supera e se redime quando colocado em situação extrema de perigo e sobrevivência. A do homem comum que busca dentro de si as respostas para seu próprio infortúnio. Neste caso, tudo sob o manto equalizador da comédia feita para divertir toda a família.

O protagonista, tirado do habitat que o subjuga e atirado repentinamente numa nova realidade, passa a recriar seu mundo literalmente à sua imagem e semelhança, assim que percebe que no novo reino ele possui poder quase ilimitado. Como uma divindade instantânea, Gulliver recria a realidade e refaz a história da maneira que melhor lhe convier, sem nenhum compromisso com a ética ou com a verdade, da mesma forma que os vencedores sempre fazem com os vencidos. Da mesma forma que os roteiristas de cinema sempre fazem com os livros clássicos. O grande e único compromisso é com o humor, o entretenimento e a bilheteria.

No caso, esta “recriação do universo” à imagem gulliveriana é o ponto alto do filme. Os clássicos do cinema, as letras das canções populares, as grifes da moda e os ícones publicitários, tudo refeito para reverenciar a imagem do novo heroi, são divertidos e cumprem a função máxima (única?) do cinema de entretenimento. Há, porém, uma boa dose de hesitação no desenrolar da trama, que não raramente se mostra sem rumo, como o barco de Gulliver à deriva no Triângulo das Bermudas. Uma hesitação parcialmente compensada, para quem não exigir demais, por efeitos especiais dos mais competentes e pela presença sempre carismática de Jack Black.

Detalhe final: novamente aqui o 3D é uma total enganação. Prefira as cópias convencionais e divirta-se gastando menos.


celso sabadin*

* O multimídia - e querido amigo - Celso Sabadin é autor do livro autor do livro Vocês Ainda Não Ouviram Nada – A Barulhenta História do Cinema Mudo e jornalista especializado em crítica cinematográfica desde 1980. Atualmente, dirige o Planeta Tela (um espaço cultural que promove cursos, palestras e mostras de cinema) e é crítico de cinema da TV Gazeta e da rádio Bandeirantes.

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